Exercício

Monitorização de Carga: base para uma prevenção de lesões eficaz [2/2]

Monitorização de carga na reabilitação permite baixar a reincidência ou aparecimento de novas lesões

Também na reabilitação a monitorização é fundamental, pois acabamos por ter standards registados em suporte científico (ou pelo nosso próprio registo e análise) de que tipos de carga aquele indivíduo com determinada prática idealmente deverá realizar. Dessa maneira as cargas acumuladas em momentos de reabilitação podem funcionar como parâmetros de return to play e baixar assim, numa grande quantidade, a reincidência ou aparecimento de novas lesões.

Diferentes fases da época ou ano – e a maneira como trabalhamos nas mesmas - acabam por ter também uma importância redobrada no que toca ao risco de lesão. A fase pré-competitiva de cada época tem assim uma importância enorme. Primeiramente sabe-se que baixos níveis de carga acumulada nesta fase levam a maior probabilidade de lesão durante o seguimento da época, por outro lado sabemos que é a janela, juntamente com o final de época, que mais tem incidência de lesões [8, 24-26].

Até os jogos realizados em temporadas anteriores são de importante análise, visto haver evidência que jogadores que participaram em muitos ou em poucos jogos na época transacta acabam por estar em maior risco de lesão no seguimento da época seguinte, assim como aqueles que aumentaram as exigências competitivas repentinamente, como foi visto em jogadores de elite de Rugby [19].

Não só na prevenção de lesões o RCAC é fundamental visto que pode ser visto como uma ferramenta de avaliação de readiness para treinar e competir. Havendo cada vez mais a necessidade de uma aproximação entre departamentos médicos e técnicos dentro do desporto, esta é uma maneira que para além dos Fisioterapeutas conseguirem assegurar a segurança dos seus atletas também conseguem prever quem, fisicamente, está mais apto a render dentro dum quadro competitivo [15]. 

As probabilidade de lesão são diferentes dentro das sessões não competitivas e nas sessões competitivas. Numa perspectiva de optimizar a monitorização, os modelos de avaliação deveriam contar com uma monitorização quer da competição, quer das sessões de treino de maneira a amenizar os riscos em todos os contextos [6].

percepção individual perante a carga externa acaba por ser um pormenor fundamental na monitorização. Factores de stress multidimensionais do indivíduo - nutricionais, de sono, emocionais, sociais, educacionais, econonómicos, fisiológicos e de mindset - influenciam substancialmente a maneira como a percepção de carga é realizada. Além da análise e controlo destes factores, dentro ou após sessão podemos ver o quão intensa foi a percepção da intensidade da mesma pela avaliação da Rating of Perceived Exertion (RPE) ou pelo batimento cardíaco.

controlo da carga interna é fundamental por permitir a análise das várias dimensões de stress, que contribuem para o aumento da carga acumulada. Sendo assim se não for realizada esta análise há o risco de aumento de probabilidade de overtraining e de lesão. Com o cruzamento destes dados é possível aferir algumas conclusões interessantes. A título de exemplo se a carga externa for considerada baixa mas é percepcionada (carga interna) como alta leva-nos a duas situações: primeiro que podemos estar numa situação de overtraining e segundo que temos que dar um período maior de repouso para permitir um processo de supercompensação.

síndrome de overtraining para além de causar uma maior probabilidade de lesão e doença, leva a um decréscimo de performance quantificado entre os 0,7% e os 15%. O mesmo estudo acaba por definir que os testes fisiológicos não são mais eficientes do que os psicossociais na identificação desta síndrome, e como tal podemos assumir que a avaliação da carga interna é tão importante quanta à avaliação de carga externa [27].

Previamente a uma sessão poderemos acautelar também o nível de carga, ou até mesmo oferecer sessão de recuperação, se fizermos um questionário de bem-estar ou um teste neuromuscular que ateste a prontidão do indivíduo para o treino ou competição.

A questão do controlo das cargas para prevenção de lesões acaba já por estar tão estabelecida que em dois estudo feitos com clubes de elite da FIFA, entre seleções e clubes, os responsáveis pelos departamentos médicos revêem a importância de factores relacionados com a monitorização de carga. De tal forma que nos 5 factores de risco intrínsecos considerados mais importantes 2 são relativos de controlo de carga: carga acumulada e nível de fitness; e já nos factores de risco extrínsecos dentro dos top 5 temos 4: recuperação inadequada, carga de treino (prévia e durante à competição), número de jogos e as condições para a recuperação [28, 29].

Pelo Síndrome de Adaptação Geral de Selye sabemos que o stress é necessário para haver uma resposta do organismo, permitindo ao corpo após o mesmo recuperar e readaptar-se. Se não oferecermos ao corpo um período de recuperação e de adaptação ao stress, ou se pelo contrário não oferecemos stress suficiente para o corpo adaptar-se, as melhorias das capacidades físicas vão ser adulteradas. Assim, é o stress – seja ele físico ou psicossocial – que está intimamente relacionado com a probabilidade de lesão ou doença. Monitorizando o mesmo e a recuperação, podemos aumentar os níveis de prevenção e prescrever treino de maneira a potenciar ao máximo a performance [1, 8, 17, 27].

Desta maneira podemos assumir que o repouso tem uma importância tão grande ou maior quanto o treino. A melhoria dos períodos de recuperação permite aos atletas treinar melhor (melhorando capacidades físicas e nível de fitness), a técnica e a sua eficiência. Assim para evitar situações de overtraining um equilíbrio perfeito entre stress do treino e consequente recuperação é fundamental [1, 27].

Concluindo, e como já foi referido noutras oportunidades, o treino é fundamental para todos em qualquer contexto. Serviu este texto para perceber que apesar disso o treino sem qualidade, sem conhecimento, sem controlo ou planeamento pode não melhorar as capacidades do indivíduo ou até mesmo levar a uma condição de risco acrescido ou de diminuição de performance. Também dizer que a monitorização é uma temática muito abrangente, e que não foi objectivo desta exposição uma apresentação exaustiva do tema mas apenas um momento de introdução a uma área que convido todos tentarem pesquisar mais profundamente.

 

Ler 1.ª parte do artigo aqui: http://bit.ly/2g1WhUl

 

Referências:
1. Kellmann, M., Preventing overtraining in athletes in high-intensity sports and stress/recovery monitoring. Scandinavian Journal of Medicine & Science in Sports, 2010. 20: p. 95-102. | 2. Gabbett, T.J. and D.G. Jenkins, Relationship between training load and injury in professional rugby league players. Journal of Science and Medicine in Sport, 2011. 14(3): p. 204-209. | 3. Colby, M.J., et al., Accelerometer and GPS-Derived Running Loads and Injury Risk in Elite Australian Footballers. The Journal of Strength & Conditioning Research, 2014. 28(8): p. 2244-2252. | 4. Halson, S.L., Monitoring Training Load to Understand Fatigue in Athletes. Sports Medicine, 2014. 44(2): p. 139-147. | 5. Black, G.M., et al., Monitoring Workload in Throwing-Dominant Sports: A Systematic Re-view. Sports Medicine, 2016. 46(10): p. 1503-1516. | 6. Carey, D.L., et al., Training loads and injury risk in Australian football—differing acute: chronic workload ratios influence match injury risk. British Journal of Sports Medicine, 2016. | 7. Drew, M.K., J. Cook, and C.F. Finch, Sports-related workload and injury risk: simply know-ing the risks will not prevent injuries. British Journal of Sports Medicine, 2016. | 8. Bowen, L., et al., Accumulated workloads and the acute:chronic workload ratio relate to injury risk in elite youth football players. British Journal of Sports Medicine, 2016. | 9. Ehrmann, F.E., et al., GPS and Injury Prevention in Professional Soccer. The Journal of Strength & Conditioning Research, 2016. 30(2): p. 360-367. | 10. Gabbett, T.J., The training-injury prevention paradox: should athletes be training smarter and harder? British Journal of Sports Medicine, 2016. | 11. Windt, J. and T.J. Gabbett, How do training and competition workloads relate to injury? The workload—injury aetiology model. British Journal of Sports Medicine, 2016. | 12. Stares, J., et al., Identifying high risk loading conditions for in-season injury in elite Australi-an football players. Journal of Science and Medicine in Sport, 2017. | 13. Hulin, B.T., et al., Spikes in acute workload are associated with increased injury risk in elite cricket fast bowlers. British Journal of Sports Medicine, 2013. | 14. Soligard, T., et al., How much is too much? (Part 1) International Olympic Committee con-sensus statement on load in sport and risk of injury. British Journal of Sports Medicine, 2016. 50(17): p. 1030-1041. | 15. Blanch, P. and T.J. Gabbett, Has the athlete trained enough to return to play safely? The acute:chronic workload ratio permits clinicians to quantify a player's risk of subsequent injury. Brit-ish Journal of Sports Medicine, 2016. 50(8): p. 471-475. | 16. Williams, S., et al., Monitoring What Matters: A Systematic Process for Selecting Training-Load Measures. International Journal of Sports Physiology and Performance, 2017. 12(Suppl 2): p. 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Samulski, Monitoramento e prevenção do supertreina-mento em atletas. Revista Brasileira de Medicina do Esporte, 2006. 12: p. 291-296. | 28. McCall, A., et al., Injury prevention strategies at the FIFA 2014 World Cup: perceptions and practices of the physicians from the 32 participating national teams. British Journal of Sports Medi-cine, 2015. 49(9): p. 603-608. | 29. McCall, A., G. Dupont, and J. Ekstrand, Injury prevention strategies, coach compliance and player adherence of 33 of the UEFA Elite Club Injury Study teams: a survey of teams’ head medi-cal officers. British Journal of Sports Medicine, 2016.


 

Autor do artigo:

João Ferreira é Fisioterapeuta, pela Escola Superior de Saúde do Porto, e Performance Specialist Level 1, pela EXOS. Tem formação em Functional Range Conditioning Mobility Specialist, pela Functional Anatomy Seminars de Dr. Andreo Spina, e soon-to-be Strength and Conditioning Specialist, pela National Strength and Conditioning Association (EUA). Possui ainda vasta formação, de referência mundial, na área da Terapia Manual e do Exercício. O autor tem interesse acrescido pelo exercício como metodologia de tratamento, recuperação e optimização de performance e pela sua monitorização, assim como também pela neurociência da dor. No seu percurso profissional destaca-se o trabalho desenvolvido no departamento médico de futebol do Futebol Clube do Porto e na FISIOGlobal, onde actualmente desempenha o papel de Fisioterapeuta e Performance Specialist com atletas de alto rendimento e não-atletas.

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